Inventário Negativo: Proteja seu patrimônio quando o falecido não deixa bens
- Frederico Gorski
- 16 de jul. de 2024
- 5 min de leitura

A perda de um ente querido é um momento difícil na vida de todos nós. Além da dor da perda, há uma série de questões burocráticas que devem ser solucionadas, entre elas a herança. Digamos que, ao lidar com os assuntos do falecido, você descobre que ele nada deixou a partilhar, senão dívidas. É necessário fazer o inventário? Já ouviu falar em inventário negativo? Esse é o meio de prova que você vai precisar caso venha a ser acionado por dívidas deixadas pelo de cujus.
O inventário negativo deve ser feito sempre que o falecido tenha deixado, ou desconfie-se que o tenha feito, dívidas; e, ainda, quando, tendo deixado filho com o (a) viúvo (a), e este queira se casar novamente.
Neste artigo, vou explicar de forma sintética porque o inventário negativo é necessário. Para iniciar, vamos primeiro ver um pouco sobre o conceito de herança.
HERANÇA
Popularmente, tem-se que a herança é o conjunto patrimonial deixado pelo falecido e que se defere aos herdeiros, seja por disposição de última vontade (testamento), seja por lei (também chamada de sucessão ab intestato).
Esse é um conceito que embora não esteja incorreto, é insuficiente. A herança compreende todo o patrimônio jurídico (direitos e deveres, bens e dívidas) que, com o falecimento do autor da herança, passa aos sucessores imediatamente após a morte, formando o espólio.
O que é Espólio
O espólio, por sua vez, é uma ficção jurídica, destinada apenas a assegurar o recolhimento do patrimônio enquanto ainda não realizada a partilha. Diz-se que é um ente despersonalizado, pois, até a partilha, responderá às dívidas e poderá figurar no polo ativos para receber eventuais créditos a que o falecido tinha direito.
Em outras palavras, o Espólio é a universalidade jurídica que surge com o falecimento, reunindo todo os seu patrimônio jurídico (bens, dívidas e obrigações). O Espólio, como entidade jurídica, é necessário para que todo o patrimônio seja considerado no momento da partilha. Além disso, o Espólio é o representante legal do falecido, administrando seus bens até a partilha.
O importante a se fixar aqui é que a herança não compreende apenas o saldo positivo em aplicações financeiras, ou propriedades, mas compreende também obrigações e dívidas que o falecido por ventura tenha travado em vida, e ainda não cumprido.
A respeito, inclusive, encontram-se espalhadas pelo Código Civil diversas disposições que tratam do fenômeno da sucessão, por exemplo, no Direito das Obrigações. Vejamos, apenas para ilustrar, o que ocorre nas obrigações com solidariedade passiva.
O que é solidariedade passiva?
A Solidariedade passiva é quando, por lei ou por vontade expressa das partes, os devedores assumem a responsabilidade de responder pela dívida toda perante o credor. Assim, se A e B decidem comprar de C um imóvel, caso não paguem, C poderá optar em abrir processo contra A ou B, individualmente, ou contra ambos, para cobrar a dívida.
Em outras palavras, a Solidariedade Passiva é quando qualquer dos devedores pode ser acionado para pagar a dívida toda. Num exemplo em que dois amigos, A e B, contraem um empréstimo do banco C, este pode cobrar a dívida de qualquer dos dois. Caso A seja acionado, deverá pagar a dívida e, depois, cobrar de B a sua quota parte.
Quando um dos devedores falece, a solidariedade permanece em relação ao espólio, mas, uma vez realizado o inventário e a partilha, cada herdeiro só responde pela parte que lhe coube pela herança. Por exemplo, se A e B adquiriram solidariamente um imóvel de R$ 100.000,00 de C, e A falece, o espólio de A pode ser acionado a pagar os cem mil reais e depois poderá cobrar os R$ 50.000,00 restantes de B. Porém, feito o inventário de A, os herdeiros A¹ e A² responderão apenas no limite do que receberem de herança – se A deixou R$ 50.000,00, cada herdeiro receberá R$ 25.000,00 e só poderá ser responsabilizado pela dívida nesse valor.
A responsabilidade pela dívida nos limites da herança
A disposição do artigo 276 do Código Civil harmoniza-se com a do Artigo 1.792 do mesmo código que diz:
Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.
Esse dispositivo bem expressa o que se tem afirmado até aqui: 1) a herança defere-se como um todo (art. 1.791) e compreende bens e dívidas; 2) antes da partilha, as dívidas devem ser pagas; 3) feita a partilha, os herdeiros só respondem pela dívida não paga no limite do que receberem.
Para os propósitos deste texto, porém, importa ressaltar a parte final do art. 1.792: “incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados”.
INVENTÁRIO NEGATIVO
Como já foi delineado acima, se o falecido deixa dívidas, ou se desconfia-se que deixou, mas os herdeiros não as conhecem, o inventário negativo é o meio de defesa dos herdeiros, caso sejam acionados. O art. 1.792 justamente expressa que, quando o credor busca a satisfação de seu crédito pelo herdeiro, esse só responde pelo seu quinhão, porém, é o herdeiro quem deve provar que o valor da dívida é superior ao que recebeu, sob pena de ter que pagá-la toda.
Portanto, caso não haja bens, o inventário negativo, em que consta que o falecido não deixou bens passíveis de partilha, é a única defesa do herdeiro para não ser responsabilizado por uma dívida que não é sua.
Embora não seja obrigatório, o inventário negativo reforça a segurança aos herdeiros, para que não respondam por dívidas quando também não tenham recebido bens.
HIPÓTESE SUSPENSIVA PARA O CASAMENTO
Outra hipótese em que se aplica o inventário negativo é quando o (a) viúvo (a), tendo filhos com o falecido, decide casar-se novamente. Nesse caso, por força do art. 1.523, II, o casamento só pode ser realizado pelo regime legal de separação de bens (obrigatório, art. 1.641, I). Assim, o inventário negativo é necessário para que se prove que o casamento possa se dar sem prejuízo à prole (art. 1.523, par. único).
Por último, vale ressaltar que, não havendo herdeiro incapaz, o inventário negativo pode ser feito no cartório, bastando que os herdeiros estejam representados por advogado. É o que reza o art. 610, §§ 1º e 2º, do CPC/2015.
Concluindo, o inventário negativo é importante para salvaguardar os direitos dos herdeiros em não serem responsabilizados por dívidas que não contraíram acima do valor da herança. Se o falecido nada deixou a ser partilhado, essa modalidade de inventário será um meio de defesa, caso o credor decida acionar um ou mais de um dos herdeiros.
Caso permaneçam dúvidas e você esteja nesta situação, consulte um advogado.