CONTRATOS E RELACIONAMENTOS AMOROSOS: É POSSÍVEL FORMALIZAR O CONTRATO DE NAMORO?
- Frederico Gorski
- 11 de jul. de 2024
- 5 min de leitura

Está num relacionamento amoroso há algum tempo e pretende morar junto, mas você e seu (sua) namorado (a) não querem que se caracterize uma União Estável? Pensou em fazer um contrato de namoro?
Neste artigo, eu vou discutir essa possibilidade, levantando questionamentos feitos no mundo jurídico a respeito e os aspectos que devem ser levados em conta para que o contrato não seja nulo.
Recentemente, foi notícia, inclusive em veículos de comunicação com grande volume de acesso na internet, um aumento, ainda que não muito significativo, dos contratos de namoro no país. Segundo o portal G1, em 2023, foram formalizados 124 contratos de namoro em cartórios, enquanto, em 2024, o número já chega a 44. As estatísticas são do Colégio Notarial do Brasil e refletem, mesmo que timidamente, uma tendência de formalização das relações afetivas, sejam elas união estável ou casamento.
Do ponto de vista do Direito, a formalização dos negócios jurídicos por contratos é sempre recomendável, desde que se verifique os pressupostos e requisitos para cada caso concreto, a fim de se evitar nulidades, como a simulação.
É importante ressaltar que bons contratos são aqueles que evitam disputas judiciais desnecessárias, emprestando previsibilidade, estabilidade e segurança jurídica nas relações que travamos no dia a dia, sejam relacionamentos amorosos sejam negócios patrimoniais.
Por isso, a supervisão e a consulta a um advogado especialista na área é sempre altamente recomendável.
No caso dos contratos de namoro, as notícias que vemos na imprensa e que circulam nas redes sociais muitas vezes carecem de aprofundamento e dão a impressão de que se trata de um tema corriqueiro e bem aceito no campo jurídico.
Como quase tudo que envolve o Direito, não é bem assim. O Contrato de Namoro não goza de consenso jurídico e a opção por esse tipo de contrato pode até dar a impressão inicial de estabilidade e segurança jurídica, porém na realidade, num futuro não muito distante, pode gerar mais dor de cabeça do que o necessário.
E isso porque a nota do namoro é a informalidade e a ausência de um conceito próprio, mesmo que culturalmente. Tanto assim que o Código Civil não traz qualquer previsão a respeito. O namoro opõem-se, por um lado, ao ficar, e, por outro, ao casamento e à União Estável.
União Estável x Namoro: a intenção de constituir família como diferenciador.
Ainda, a União Estável também traz a nota da informalidade, sendo reconhecida socialmente como a comunhão de vidas sob o mesmo teto, entendida aí como a formação de um núcleo familiar.
No campo do Direito das Famílias, só vamos encontrar dispositivos que versem sobre União Estável e Casamento, a forma mais tradicional de se constituir família.
Conforme já tratamos em outro artigo, a formalidade é um fator de diferenciação entre o Casamento e a União Estável. Enquanto o casamento deve ser sempre registrado em cartório, a União Estável é um fato social, um contrato de relacionamento que pode ser tácito ou expresso e que depende de alguns requisitos para ser reconhecido juridicamente: durabilidade, estabilidade, publicidade, comunhão de vida e objetivo de constituir família.
A duração do relacionamento, a bem da verdade, deixou de ser um requisito legal com o advento da Lei 9.278/1996 e depois com o Código Civil de 2002, que não deram prazo para o reconhecimento da União Estável.
Namoro Qualificado
Na jurisprudência, contudo, o requisito da durabilidade do relacionamento muitas vezes é levado em conta para diferenciar um namoro mais avançado e a união estável. Assim, alguns julgados falam em namoro qualificado – termo que surge em discussões judiciais sobre união estável quando o tempo de relacionamento sob o mesmo teto é bastante curto, como por exemplo quinze dias ou dois meses.
De toda forma, o namoro em nossa cultura constitui como que um preambulo da constituição de família. Os namorados gostam-se, chegam a amar-se, porém ainda não estão preparados para “juntar as escovas de dentes” e ainda nem pensam na futura prole. Outras vezes, por razões econômicas, decidem viver sob o mesmo teto, mas preferem ainda chamar-se reciprocamente de namorados, pois não têm a intenção de constituir família.
Nota-se, portanto, que, enquanto a União Estável constitui um modelo familiar, o namoro, não.
Efeitos Patrimoniais e sucessórios da União Estável
Enquanto a União Estável tem efeitos patrimoniais – por exemplo, se não formalizada, o regime aplicável é a comunhão parcial de bens – e sucessórios – pois, atualmente, o(a) companheiro(a) é herdeiro em concorrência com ascendentes e descendentes -, o namoro não tem os mesmos efeitos.
No entanto, num mundo em que os relacionamentos amorosos se tornam cada vez mais líquidos, muitos casais sentem a necessidade de formalização do namoro para deixar, entre ambos, bastante claro que a relação não se confunde com a União Estável, especialmente quando decidem morar juntos.
A pergunta inicial, no entanto, ainda não foi respondida: o contrato de namoro tem validade jurídica?
Pois bem, conforme já dito, não há consenso jurídico a respeito.
A grande maioria dos doutrinadores, e a jurisprudência, entendem que não, pois esse tipo de contrato, por não ter previsão, em tese, seria eivado de nulidade. Na visão que predomina no meio jurídico, o contrato de namoro teria como nota a intenção de fraudar lei imperativa, qual seja, o artigo 226, § 3º, da Constituição Federal, combinado com os dispositivos do Código Civil que tratam da União Estável.
Por outro lado, há uma corrente doutrinária que, ainda que minoritária, argumenta pela validade do contrato de namoro, sempre que os contratantes efetivamente comportem-se como namorados, ainda que residam sob o mesmo teto. O argumento aqui privilegia a autonomia privada e a dignidade da pessoa humana, afastando a interferência estatal no âmbito privado.
Validade do Contrato de Namoro
O contrato seria válido, sempre que atendidos alguns requisitos como agentes capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável. Além disso, argumentam, os contraentes gozam de presunção de boa fé, não se podendo, de antemão, presumir que todo aquele que celebra o contrato de namoro esteja querendo fraudar lei imperativa.
Essa corrente, no entanto, assevera que o contrato de namoro seria um contrato preliminar, na forma dos arts. 462 a 466 do Código Civil. Em outras palavras, para ter validade e dar estabilidade e segurança jurídica, o contrato de namoro deveria versar sobre um futuro contrato de união estável, delineando suas cláusulas e prevendo, caso assim entendam, a separação convencional de bens, quando caracterizada a União Estável.
Ou seja, o contrato de namoro nada mais seria do que um contrato de convivência, em que os contraentes acordam que, no momento da celebração, o relacionamento ainda não constitui uma União Estável e ainda estabelecem cláusulas de interpretação sobre em que momento esse tipo de relacionamento será caracterizado, prevendo, inclusive, o regime de bens que regerá a futura relação.
Como conclusão, reforça-se a necessidade de consulta a um advogado especialista em Direito das Famílias para a composição contrato e o cuidado para que essa formalização não esteja eivada de nulidades, que podem levar a uma futura disputa judicial em torno da caracterização, ou não, de uma União Estável.