top of page

Plano de Parentalidade: desafios e perspectivas para um bom Acordo de Guarda Compartilhada

  • Foto do escritor: Frederico Gorski
    Frederico Gorski
  • 9 de jul. de 2024
  • 10 min de leitura

Atualizado: 11 de jul. de 2024



Guarda Compartilhada
A elaboração de um bom plano de parentalidade pode trazer inúmeros benefícios, tanto para a criança quanto para os pais. Crédito da Imagem: Ketut Subiyanto via pexels.com


RESUMO: A guarda compartilhada é uma realidade cada vez mais presente no Brasil, mas exige um planejamento cuidadoso para garantir o bem-estar das crianças. Este artigo explora os conceitos de guarda compartilhada e plano de parentalidade, detalhando os requisitos legais e os benefícios para as famílias. São apresentadas estratégias para superar os desafios da implementação da guarda compartilhada e um guia prático para a construção de um plano de parentalidade eficaz, que contemple as necessidades de todos os envolvidos.


No artigo anterior, tratamos dos tipos de guarda presentes no ordenamento jurídico brasileiro e suas diferenças. Agora, vamos falar um pouco sobre a guarda compartilhada (GC) e os requisitos para um acordo.


Conforme já foi delineado anteriormente, tecnicamente, para ter validade jurídica, isso é, para que o cumprimento do acordo seja passível de ser exigido judicialmente, é necessário que ele seja homologado pelo juiz. Isso pode se dar quando, no curso de um processo em que se discute a guarda, a solução da disputa seja feita por meio consensual de resolução de conflitos (mediação ou conciliação); ou, ainda, quando os pais cheguem a um acordo extrajudicial e posteriormente peçam em juízo apenas a sua homologação.


Vale ressaltar que a guarda compartilhada, entendida como o exercício colaborativo das responsabilidades parentais, tendo em vista o melhor interesse dos filhos, é a regra no Direito Brasileiro, podendo ser inclusive imposto coativamente pelo juiz. É o que diz o artigo 1.584, inciso II, c/c §2º, do mesmo artigo do CC/02:


Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar.


Hipóteses de não aplicabilidade da GC


Como se pode ver pelos dispositivos acima, a guarda compartilhada só comporta duas exceções: 1) um dos genitores declara não ter o desejo de exercê-la; 2) há elementos que evidencie o risco de violência doméstica ou familiar.


A doutrina costuma tratar separadamente cada uma dessas exceções, para compreender quando são aplicáveis.


Nesse sentido, quando um dos genitores declara não desejar exercê-la, tem-se entendido que o genitor, ou a genitora, declarante tem de apresentar razões idôneas. E isso porque o cuidado com os filhos é exigência legal, reforçada pelo princípio da parentalidade responsável e pela igualdade de gênero nos cuidados com a prole, princípios constitucionais que reforçam a ideia de que o exercício do poder parental (art. 1.634 do CC/2002) é um múnus público. Em outras palavras, trata-se de uma responsabilidade outorgada pela sociedade e pelo Estado, da qual os pais só podem se imiscuir com justo motivo.


A polêmica se instala quanto à segunda exceção, prevista na segunda parte do § 2º, acima citado – probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar. Ocorre que o dispositivo, de forma equivocada, afirma que não será aplicada a guarda compartilhada quando houver “elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica e familiar”. Acertadamente, tem-se afirmado que o texto da lei diz mais do que deveria e, para excepcionar-se a guarda compartilhada, portanto, não se deve verificar a probabilidade de risco, mas a evidência do risco em si.


Além disso, ainda sobre esse trecho da lei, a doutrina discute se os termos “violência doméstica e familiar” referem-se à violência contra a mulher (genitora) ou apenas o risco de violência contra a criança ou adolescente. Como essa discussão não é o propósito deste artigo, não vai-se aqui descer os meandros da discussão. Cabe apontar apenas que, se a violência ou abuso de um dos genitores contra o outro for tal que ofereça riscos para os filhos, certamente aí não caberá a guarda compartilhada e poderá, inclusive, ser determinado o afastamento do agressor.


A GC imposta por decisão judicial


Retornando, não ocorrendo uma das exceções, deveria ser aplicada a guarda compartilhada (GC), ainda que pai e mãe não cheguem a um acordo consensual a respeito. Ao aplicá-la, o juiz deverá prever um tempo de convívio equilibrado e designar as responsabilidades de cada um dos genitores.


Ocorre que nem sempre esses comandos legais são cumpridos como deveriam pelo poder judiciário. A guarda compartilhada ainda mostra números tímidos nas estatísticas do IBGE: em 2022, apenas 37% dos casos tinham como resultado o deferimento da GC, no Brasil; em SC, esse índice chegou à 39,83%.


Ainda, os acordos de guarda compartilhada, sejam homologados ou impostos judicialmente, costumam versar apenas sobre o tempo de convívio e alimentos, o que pode fazer com que, na prática, se tornem uma espécie de guarda unilateral simulada, com acúmulo de funções sobre um dos genitores, em geral, a mãe, desvirtuando assim o instituto.


A GC por meio de acordo, mediação ou conciliação


Compreendendo esse quadro, os operadores do direito, em especial as advogadas e advogados, devem empreender esforços para prevenir conflitos desnecessários e promover o diálogo entre os genitores tendo em vista o exercício da GC nos moldes previstos pelo legislador. Tarefa, aliás, que melhor se adéqua à defesa dos melhores interesses das Crianças e Adolescentes.


Chegamos, então, ao ponto deste artigo. Afinal, quais são os requisitos para um acordo de Guarda Compartilhada com chances de sucesso?


Num futuro talvez não muito distante, assim como já é possível fazer a dissolução da união estável e o divórcio diretamente no cartório, também será possível que Acordos de Guarda Compartilhada o sejam. Há pelo menos dois projetos de lei nesse sentido: o PL 2957/2023, e o PL 731/2021. O primeiro propõe a alteração do art. 731 do Código de Processo Civil, prevendo o registro da dissolução por escritura pública juntamente com o Acordo de GC. O outro prevê que esse acordo, registrado em cartório, seja enviado ao MP, que deve aprová-lo.


Por ora, no entanto, havendo filhos incapazes, a dissolução de união estável e o divórcio devem ser feitas em juízo, homologando-se, caso consensual, o Acordo de Guarda Compartilhada nos mesmos autos.


De toda forma, haverá sempre a necessidade de advogados, especialmente para que se previnam negócios simulados, conforme já foi comentado acima.


A Guarda Compartilhada, repisando, é o exercício colaborativo das responsabilidades pelo cuidado e gestão da vida dos filhos incapazes.


Não se trata de uma divisão equilibrada ou paritária do tempo de convívio – no artigo anterior, já tratamos da distinção entre guarda e tempo de convívio.


Mediação como forma de resolução de conflitos


Por último, é importante ressaltar o papel das resoluções alternativas de conflito, consagradas no Código de Processo Civil, que, em seu art. 3º, § 3º, determina a todos os operadores do Direito o dever de buscar esses meios antes, durante e mesmo após o curso de um processo judicial.


A Mediação é compreendida como um método em que um terceiro busca facilitar e estimular o diálogo entre as partes. A diferença com a Conciliação é que, nesta última, o terceiro pode oferecer sugestões e alternativas. O Mediador, por outro lado, opera através da escuta, promove o diálogo e intervém o mínimo possível, facilitando a compreensão mútua e ressignificação do conflito de forma que as partes cheguem livremente a um acordo.


Essa tarefa pode ser realizada por um terceiro no curso de uma demanda judicial, ou por mediadores capacitados no âmbito privado, à escolha das partes.


Trata-se de uma atividade que demanda certa interdisciplinaridade e, por isso, pode ser exercida em conjunto por um advogado e um psicólogo, por exemplo. Quando um advogado participa do processo, pode editar o acordo e pedir, ele mesmo, representando as partes, a sua homologação.


Em processos de família, quando há vontade/necessidade de diálogo, porém as partes sentem dificuldade em fazê-lo sem auxílio de um terceiro, a mediação é altamente recomendável. Espera-se, com isso, uma melhora na qualidade e efetividade dos Planos de Parentalidade firmados por esse meio, já que não há imposição, como ocorre quando recorremos ao Estado-juiz.


Plano de Parentalidade


O Acordo de GC é um plano de gestão dos cuidados com os filhos, que deve prever a divisão de tarefas para que os pais atuem como garantidores dos deveres fundamentais da prole. Por isso, o Acordo de Guarda Compartilhada também é comumente descrito como Plano de Parentalidade.


Daí que um acordo que verse apenas sobre tempo de convivência e alimentos seja bastante deficitário em relação ao que se idealiza ser a Guarda Compartilhada.


Nesse sentido, as advogadas e advogados empenhados na redação deste tipo de acordo devem ter sensibilidade para ouvir e compreender o caso concreto e, com isso, buscar facilitar o diálogo entre os genitores, de forma a ressignificar o relacionamento conjugal terminado em prol de uma cooperação entre pai e mãe da(os) filha(os).


O Acordo é um bom momento para que os pais dialoguem sobre o exercício colaborativo das funções parentais tendo em vista o melhor interesse dos filhos.


A advogada, ou advogado, responsável pela formalização do Acordo devem ter sensibilidade para redigir dispositivos que, inclusive, relembrem os pais de suas responsabilidades e dos direitos das crianças e adolescentes de acordo com a legislação – são eles, a título de exemplo, a saúde, educação, a vida, a liberdade, o convívio familiar e comunitário, a cultura etc.


Assim, um bom acordo de guarda compartilhada deve começar pela definição de guarda compartilhada, o que significa o exercício da função parental, bem como: 1) os direitos dos filhos; 2) os direitos e deveres recíprocos entre os genitores.


Mas não só. O acordo tem como escopo buscar a estabilidade necessária para o pleno desenvolvimento das capacidades da pessoa em desenvolvimento, salvaguardando assim sua dignidade.


Dessa forma, as peculiaridades do caso concreto, especialmente o estágio de desenvolvimento dos filhos quando de sua formalização, devem ser bem compreendidos. Também, pode-se (deve-se) prever como esse acordo vai evoluir quando novas necessidades surgirem.


A estabilidade e previsibilidade para a criança sobre quem e quando estará responsável pelo seus cuidados é fundamental, mas não é tudo. É necessário atentar para o estágio de desenvolvimento dos filhos para que se consiga o Plano Parental que se adéque às suas necessidades.


Assim, o que vale para um adolescente não é o mesmo que vale para um bebê em fase amamentação. Enquanto os primeiros já podem residir em casas de forma alternada (por exemplo, três dias com um genitor, quatro com outro, ou ainda uma semana com cada), os bebês ainda não podem passar muito tempo longe do(a) cuidador(a) principal.


Além do princípio da cooperação, os Acordos devem ser redigidos levando-se em conta a flexibilidade necessária para se atender aos melhores interesses da pessoa em desenvolvimento. Como se sabe, a vida, especialmente das crianças e adolescentes, é dinâmica e o tempo, nesse estágio, passa voando: o que vale para crianças de colo não vale para crianças frequentando o ensino básico, e o mesmo pode-se dizer deste estágio para a adolescência.


Outro fator a se levar em consideração, obviamente, são as necessidades de trabalho dos pais.


Por exemplo, pode ser que um, ou ambos, os pais tenham trabalhos que demandem uma ou duas viagens durante o ano. Nesse sentido, o acordo deve prever como ficarão os cuidados e compensações por esse tempo que o outro genitor passa a mais com a criança ou adolescente.


Ou, ainda, que os filhos tenham atividades extraclasse que um dos genitores, por conta do trabalho, não possa levar quando de seu tempo de convívio.


É importante, além disso, que o acordo traga algumas previsões sobre situações excepcionais ou de emergência, como uma viagem de última hora de um dos genitores, ou ainda a necessidade de mudança de cidade em razão de trabalho.


Podem os pais ainda acordarem sobre a convivência virtual, especialmente quando não morem na mesma cidade, decidindo, sempre com flexibilidade, sobre horários para as chamadas entre filhos e o(a) genitor(a) não residente.


Além do tempo de convívio, um acordo de guarda compartilhada é um bom terreno para que os pais decidam diretrizes de educação, saúde e lazer, sem descuidar de um tema importantíssimo na atualidade que é a introdução e educação para as tecnologias digitais – os filhos poderão ter perfil em redes sociais? Quanto tempo poderão ficar na frente das telas? Que tipos de conteúdo não será permitido? Eles terão celular/tablet a partir de que idade?


Como se vê, há uma série de questões que devem ser debatidas de forma sempre pacíficas antes da formalização do acordo. É claro que os pais não precisam chegar a um consenso sobre cada detalhe da vida dos filhos e isso talvez nem seja saudável, pois modelos diferentes de educação podem ser benéficos.


Custos da GC


Em tese, havendo uma divisão equilibrada de tempo de convívio e de tarefas nos cuidados com os filhos, a GC pode inclusive ser mais eficiente em termos de alocação de recursos.


Tudo, no entanto, vai depender de vários fatores como: condições financeiras dos genitores, distância entre as residências, gastos escolares e com a saúde, atividades de lazer etc.


É importante que os pais coloquem na ponta do lápis, tanto quanto possível, os gastos que têm/terão com os filhos, para que possam, além do tempo de convívio e tarefas, fazer uma divisão equilibrada quanto aos alimentos.


Importante, aqui, fazer um parêntesis e esclarecer que o termo “alimentos” envolve todas essas questões e não apenas necessidades básicas. Também que a responsabilidade pelo sustento dos filhos é de ambos.


É natural, no entanto, que surja a dúvida sobre se, na GC, haverá a necessidade de pagamento de alimentos.


Infelizmente, essa não é uma questão que pode ser respondida sem observar as peculiaridades de cada caso. Conforme delineado acima, tudo vai depender dos fatores elencados e das condições financeiras de cada genitor, afinal, os alimentos são fixados de acordo com as necessidades da criança, por um lado, e as possibilidades de cada genitor.


Alguns desafios para quem exerce a Guarda Compartilhada


A GC não é um remédio para todos os males e impõe alguns desafios.


Do ponto de vista psicológico, várias pesquisas têm demonstrado que os arranjos de GC, inclusive com residência alternada, é benéfico para os filhos e também capaz de trazer bem estar aos pais, pois nenhum deles fica sobrecarregado nos cuidados com a prole.


Ainda assim, especialmente no início, a divisão de tarefas e a dificuldade inicial de diálogo pode ser um dos maiores desafios. É necessário que os pais exerçam a tolerância e o respeito mútuo. Em muitos casos, isso demanda que, inicialmente, os diálogos sejam os mais breve possível e sempre focado no bem estar dos filhos.


Deve-se buscar um terreno comum que possibilite aos pais o diálogo quando questões importantes que não podem ser previstas surgirem.


Os filhos necessitam de pais que dialoguem sobre seu desenvolvimento e, se isso não é possível logo após a separação, a divisão de tarefas pode facilitar a criação de um ambiente de confiança e respeito que pouco a pouco evoluam para um diálogo mais amistoso.


Quando isso se estabelece, o Plano inicial de Parentalidade terá uma evolução natural, pois os pais sentirão a necessidade de revê-lo periodicamente tendo em vista cada nova etapa de desenvolvimento dos filhos.


Importante ressaltar, aliás, que os filhos devem ser ouvidos por ambos os pais de acordo com sua etapa de desenvolvimento, de forma que os arranjos subsequentes levem em consideração também as suas vontades. Isso é fundamental para que a criança não se sinta objetificada nesse processo.


Conforme bem apontado por Luciana Salvador e Giovana Munhoz da Rocha, em seu livro Guarda Compartilhada: vivendo em duas casas: Enquanto os filhos estão se adaptando, também os genitores estão aprendendo a como serem pais separados e compartilhando.

Posts recentes

Ver tudo
  • Instagram
  • Facebook
  • LinkedIn

Frederico Teixeira Gorski 

OAB/SC 65423

selo_associado.jpeg

gorskifrederico@gmail.com Telefone: (48) 999241056

Servidão Coral, 212 Casa 3

©2023 por Frederico Teixeira Gorski Advocacia. 

bottom of page