Guarda Compartilhada Coativa e o dever de observância da convivência familiar acordada
- Frederico Gorski
- 1 de jun. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 2 de jun. de 2024
Resumo: Os Acordos de Guarda Compartilhada homologados judicialmente têm força coativa e sua observância pode ser exigida pelo cumprimento de sentença. O Tribunal de Justiça do RS reconheceu a possibilidade de se buscar o cumprimento de sentença para exigir a observância do acordo de guarda compartilhada quanto a convivência familiar resistida por um dos genitores. A decisão é importante porque reforça a eficácia jurídica dos acordos homologados judicialmente.

Com o advento da Lei 11.698/2008, que alterou os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil de 2002, a guarda compartilhada foi introduzida no Direito Brasileiro. Posteriormente, em 2014, a figura jurídica dessa espécie de guarda foi reforçada pela Lei 13.058, que, legalmente, tornou regra o compartilhamento dos cuidados com a prole.
Surgiu, assim, a tese da guarda compartilhada coativa, tendo como expoente a tese de doutoramento de Conrado Paulino da Rosa, que advoga pela imposição da guarda compartilhada ainda quando haja uma relação conflituosa entre os genitores após a separação.
Além disso, no mesmo período, primeiro o Conselho Nacional de Justiça, e, depois, o Código de Processo Civil, implementaram a busca pela solução consensual de conflitos como paradigma para a resolução das causas ajuizadas no âmbito familiar.
Desse modo, pouco a pouco, o judiciário começou a adotar a prática de agendar uma ou mais sessões de mediação/conciliação, especialmente quando o conflito principal é a guarda dos filhos, após a dissolução do casamento ou da união estável.
Assim, começaram a surgir os acordos de guarda compartilhada como uma solução desejável e que melhor atende a proteção da criança ou adolescente.
No entanto, essa mudança de quadro não necessariamente resolve todos os problemas que surgem quando o assunto é o cuidado e convívio com os filhos.
Na busca por uma solução rápida das causas judiciais, podem ser formulados acordos que não atendam realmente as necessidades dos envolvidos e, com isso, não é raro que um dos genitores, mesmo quando há solução consensual, esquive-se das obrigações assumidas no acordo.
Considerando isso é que surge o assunto deste artigo, que tem como foco a seguinte questão: é possível manejar o cumprimento de sentença como forma de coagir o pai/mãe recalcitrante em cumprir com o que se comprometeu no acordo?
É verdade que falta ainda um artigo específico aqui no blog sobre a guarda compartilhada e o acordo. Por isso, vai-se, primeiro, fazer alguns esclarecimentos a respeito deste último e, posteriormente, tratar da questão de fundo, ou seja, o uso do cumprimento de sentença para esse fim.
Acordos de Guarda Compartilhada
Normalmente, a Guarda Compartilhada é tratada no contexto das dissoluções de relacionamentos afetivos constituídos com o fim de formar família (casamento ou união estável).
A mudança dos costumes, no entanto, possibilita que a questão dos cuidados com o filho surjam também entre namorados ou ex-namorados que decidiram levar a cabe a gravidez, sem necessariamente conviverem sob o mesmo teto.
De toda forma, o sentido jurídico da guarda tem com a divisão de responsabilidades e deveres de cuidados com o filhos, havidos ou não de um relacionamento estável.
Além disso, a guarda é pensada também para se garantir o direito de convivência familiar, reconhecido às crianças e adolescentes tanto na Constituição quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O princípio da parentalidade responsável e a proteção integral da dignidade da pessoa humana em desenvolvimento, dando-se prioridade absoluta aos seus direitos fundamentais como saúde, educação, lazer, convivência familiar e comunitária saudável têm no instituto da guarda compartilhada um importante instrumento.
Considerando o que se disse anteriormente sobre a busca pela solução consensual dos conflitos, os Acordos de Guarda Compartilhada podem surgir tanto no contexto da judicialização quanto fora dela, pela solução amigável.
Para ter validade jurídica, no entanto, hoje em dia esses acordos têm de passar pelo judiciário que os submete ao parecer do Ministério Público e depois são homologados pelo juiz.
Feito isso, o acordo torna-se um título executivo judicial, por força do art. 515, incisos II e III, do Código de Processo Civil. Significa isso que o acordado tem de ser cumprido, tanto no que tange aos alimentos quanto ao dever de cuidado, carinho e convivência.
O que é o Cumprimento de Sentença?
O cumprimento de sentença é o nome dado a fase de execução de uma decisão de mérito no processo de conhecimento. Decidida a causa, a sentença tem força coativa e, caso a parte condenada não cumpra com a obrigação, passa-se à fase de cumprimento de sentença para que o decidido seja cumprido coercitivamente.
No caso de Acordos firmados judicialmente, ou extrajudiciais homologados pelo juiz, é possível, sem necessidade de rediscussão do mérito, ajuizar-se o cumprimento.
Com relação aos cuidados com os filhos, o mais comum é o uso dessa ferramenta para a execução de alimentos.
No entanto, não apenas a essa obrigação esquivam-se os genitores, mas, algumas vezes, também ao convívio familiar acordado.
Nesses casos, é possível também obrigar o genitor recalcitrante?
A resposta a essa pergunta vai depender do exame caso a caso do firmado no acordo.
É possível, por exemplo, a imposição de multa contra a resistência de uma das partes em permitir o convívio do(a) filho(a) com o outro genitor.
A respeito, não resta dúvida da possibilidade do cumprimento de sentença para buscar o pagamento da multa e coagir o(a) transgressor(a) a mudar o seu comportamento.
O cumprimento de sentença para obrigar o genitor que não cumpre com a obrigação de ter consigo o(a) filho(a)
Questão interessante e não rara, é o uso do Acordo para resolver a pendência judicial sem a intenção de cumpri-lo. Ocorre, de forma mais comum por parte do pai, mas pode ser também por parte da mãe, de, na realidade, as obrigações de cuidado, mesmo com a guarda compartilhada judicialmente reconhecida, penderem desigualmente para um dos genitores.
Assim, embora no papel a criança ou adolescente tenha um determinado regime de convivência, na prática um dos genitores esquiva-se dessa responsabilidade e não busca o(a) filho(a) nos dias em que deveria.
Ainda que o mais comum, em casos tais, seja a busca pela revisão do acordo, recentemente o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul respondeu a pergunta sobre a possibilidade do manejo do cumprimento de sentença para obrigar o genitor recalcitrante a assumir o dever de cuidado e convivência familiar.
A ementa foi assim redigida:
APELAÇÃO CÍVEL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ACORDO DE VISITAÇÃO PATERNA. PLEITO DE DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. VIABILIDADE. MEDIAÇÃO FAMILIAR. PRETENSÃO DE RESGATE DO CONVÍVIO PATERNO PELO RESTABELECIMENTO DO DIÁLOGO. PEDIDO QUE SE HARMONIZA COM A MODERNA JURISDIÇÃO DE FAMÍLIA. MEDIAÇÃO FAMILIAR. OBSERVÂNCIA AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA SENTENÇA EXTINTIVA DESCONSTITUÍDA. (TJ-RS - Apelação Cível: 5004913-17.2023.8.21.6001 PORTO ALEGRE, Relator: Roberto Arriada Lorea, Data de Julgamento: 04/04/2024, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: 04/04/2024)
No caso, a mãe ajuizara o cumprimento de sentença para obter a tutela do acordo no sentido de obrigar o pai a cumprir com a responsabilidade que assumiu de conviver com a criança.
Na primeira instância, o juiz extinguiu a ação por falta de interesse de agir.
Em apelação, a mãe alegou, acertadamente, que, se havia multa prevista caso ela obstasse o convívio, dever-se-ia aplicá-la também caso o pai não observasse o seu dever.
O TJRS foi muito bem em prover o recurso, aduzindo ainda que a solução por meio de mediação é a que melhor atende aos interesses da criança.
Pode-se concluir, assim, que, havendo acordo, não há razão para deixá-lo sem eficácia jurídica, impedindo-se a sua coercitividade por meio do cumprimento de sentença.
Para finalizar, atente-se ao fato de que o TJRS salientou a possibilidade de, no bojo do cumprimento de sentença, seja observada a busca pela solução consensual do conflito através de nova mediação.
Não havendo acordo, pode-se buscar a imposição de multa e, caso permaneça o descumprimento, inclusive a indenização ao menor por abandono afetivo – nesse caso, será necessária uma ação autônoma de responsabilização civil.
Ressalve-se que tal possibilidade depende do exame da situação concreta e que, para a caracterização da responsabilidade civil por abandono afetivo depende da prova do dano e do nexo de causalidade entre a conduta ilícita (art. 187 do CC/02) ou do excesso da conduta lícita (art.186). A caracterização, assim, deve ser bem delimitado, pois os tribunais tendem a recusar o provimento da demanda fundada meramente num obrigação de amar que, salvo melhor juízo, não pode ser imposta.
Importante sempre frisar que a tarefa de verificar se os requisitos legais estão, em tese, presentes no caso concreto é uma prerrogativa do advogado, que deve evitar o ajuizamento de demanda claramente despidas de embasamento e com poucas chances de acolhimento.