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Guarda Compartilhada, Alternada e Unilateral: o que você precisa saber para tomar uma decisão sobre o futuro dos seus filhos, após a separação.

  • Foto do escritor: Frederico Gorski
    Frederico Gorski
  • 5 de jun. de 2024
  • 17 min de leitura

Está em processo de separação e tem dúvidas sobre a Guarda dos filhos? Esse texto aborda os pontos principais para se decidir e iniciar um processo de acordo com o(a) ex-companheiro(a) ou ex-cônjuge.


Resumo: A Guarda Compartilhada é a regra no Direito Brasileiro. A modalidade, no entanto, desperta dúvidas para os pais que recém saíram de um relacionamento. A determinação da guarda deve considerar as particularidades do caso. O juiz deve considerar a solução que melhor atenda aos interessas da criança. O Regime de Convivência, além disso, deve ser equilibrado, de acordo com as necessidades específicas do caso. Em casos de conflito persistente, o juiz pode determinar a avaliação por equipe multidisciplinar para auxiliar na definição da guarda



guarda compartilhada
A Guarda Compartilhada é a regra no direito brasileiro. Crédito da Foto: Greta Hoffmann, via pexels


A figura da Guarda no Direito Brasileiro é um dos temas que suscitam boa parte das dúvidas que surgem quando o assunto é Direito das Famílias. Há, por um lado, uma compreensão social do instituto e, por outro, a definição jurídica do termo e nem sempre as duas encontram correspondência.


Isso se dá por diversos motivos, podendo-se elencar: as diferenças culturais de uma região para outra, a confusão terminológica do texto legal (por exemplo, qual a diferença entre Poder Familiar e Guarda) e as mudanças no plano dos costumes (papéis sociais de gênero), entre outras.


Neste artigo, serão feitas algumas explicações a respeito da Guarda Compartilhada e sua aplicação na prática. Para isso, vai-se examinar o conceito jurídico de guarda e a diferença com o poder familiar (que vai ser tratado também como função parental), as mudanças culturais no plano dos costumes, as diferenças entre os diferentes tipos de guarda e a aplicabilidade de cada uma delas de acordo com o princípio da proteção integral da criança e do adolescente.



Qual a diferença entre Guarda e Poder de Família (Função Parental)?



A distinção legal entre Guarda e Poder de Família é feita de maneira topológica pelo Código Civil de 2002. Enquanto a Guarda é tratada no Capítulo XI (Da proteção da Pessoa dos Filhos) do Subtítulo I (Do Casamento) do Título I (Do Direito Pessoal) do Livro IV (Do Direito de Família); o Poder de Família encontra-se no Capítulo IV (Do Poder Familiar) do Subtítulo II (Das Relações de Parentesco), mesmo Título e mesmo Livro.


Repare-se que a Guarda surge no contexto da dissolução do vínculo matrimonial (casamento), tema que o precede na ordem de tratamento do Código Civil.


Ainda, que o Poder de Família é uma decorrência da relação de parentesco, que independe do vínculo matrimonial.


Por isso, é que se diz que o Poder Familiar, como instituto jurídico, é autônomo em relação a Guarda, pois esta é, em linguagem corriqueira, a previsão do que acontece com os filhos quando o casamento termina. Se é verdade que a guarda da criança e do adolescente presume-se de ambos os pais quando casados (ou conviventes), o Poder Familiar não se extingue, nem nasce, dessa relação:


Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) 

I - dirigir-lhes a criação e a educação; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;(Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.(Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)

A letra fria da Lei é clara na atribuição do Poder Familiar aos Pais, ambos, sem relação com o seu estado civil.


Em outras palavras, não importa se casados, conviventes em União Estável, ou não, a ambos compete o exercício do Poder Familiar. Tanto assim que a relação de parentesco não se extingue com a dissolução do relacionamento, e, quanto a isso, os pais só terão alterados seus direitos de convivência:


Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.


A previsão quanto ao direito de convivência, na realidade, acaba sendo despicienda, uma vez que, não persistindo o convívio dos pais sob o mesmo teto, não se pode dividir o filho em dois para que continue a viver com ambos os pais.


Ainda assim, o artigo 1.632, e isso é importante, não prevê a extinção deste direito. Diz apenas que ele se altera – em outras palavras, terá de ser exercido de acordo com a nova configuração familiar.


As disposições recém vistas apontam para uma aproximação ou adequação do Direito de Família (que os estudiosos preferem chamar de Direito das Famílias) com uma mudança cultural significativa que se fez sentir no meio jurídico a partir dos anos sessenta da década passada.


Nesse período, a longa e tortuosa luta das mulheres por seus direitos começou, mesmo que timidamente, a obter de forma mais forte seus frutos. Apesar de ainda contaminado pelos preconceitos da época, surgiu o Estatuto da Mulher Casada que devolveu às mulheres sua plena capacidade civil.


Espera-se que essa afirmação soe chocante às leitoras e leitores deste artigo: a verdade é que o Código Civil de 1916 dava por relativamente incapazes as mulheres casadas. Impondo a sociedade uma ideologia patriarcal, o homem era o chefe de família, com poderes quase absolutos, e a mulher, quando muito, sua auxiliar. À mãe incumbia-se a tarefa dos cuidados com os filhos na tenra idade, sempre de acordo com os desígnios do marido.


Com o Estatuto da Mulher casada, devolveu-se a capacidade plena à mulher casada, porém manteve-se a figura masculina como, para usar uma expressão antiga, cabeça da família. Assim, a Mãe saía da figura estritamente submissa e era “elevada” a colaboradora do homem para o cuidado com os interesses da família e dos filhos. Na constância do casamento, a mulher exercia o pátrio poder de forma colaborativa, auxiliar, submissa ainda aos ditames do pai. Quando ocorria o desquite (não existia divórcio) a mulher, compartilhando com o ex-marido a culpa pelo fim da sociedade conjugal, teria a guarda das filhas e, até os seis anos de idade, dos filhos. A partir dessa idade, os filhos do sexo masculino passariam à guarda do pai.


O regime jurídico das famílias, até não muito tempo atrás, portanto, era bastante bizarro, pelo menos para a leitora ou o leitor nos dias de hoje.


As anotações feitas acima tem uma curiosidade adicional. Se, atualmente, a guarda dos filhos é preferencialmente dada as mulheres, isso é um fenômeno social não muito antigo. Como se viu, até pelo menos a metade do século passado, a culpa pelo fim do casamento tendia a ser atribuída à mulher e, por consequência, ficava o homem com a guarda dos filhos.


Não que os homens fossem na época mais atentos aos cuidados com a prole. Na verdade, essa previsões eram mais uma advertência contra a dissolução do casamento do que uma realidade corriqueira. O sistema jurídico previa a indissolubilidade do casamento e esforçava-se por editar normas que garantissem a permanência do matrimônio até a morte de um ou ambos os cônjuges.


Retomando, com a Constituição da República Federativa, a igualdade de gêneros foi elevada a dupla condição de princípio e garantia constitucional (art. 5º, caput, e inciso I da CF/88). A partir daí é que surge um tratamento diferenciado à Família, com previsão de princípios tais como a parentalidade responsável e o reconhecimento e proteção à pluralidade das famílias e a inscrição do princípio do melhor interesse da pessoa em desenvolvimento, entre outras. Daí que se passou a dizer Direito das e não de Família(s).


O Código Civil de 2002, por sua vez, seguiu em parte essas orientações. Daí que o Poder Familiar é exercido em igualdade de condições entre os cônjuges ou conviventes – independente da orientação sexual do casal, pois, conforme já decidido pelo STF, o casamento e união estável homoafetivo é protegido pela Constituição e vale para ele também as regras quanto aos filhos em comum.



E a função parental?



O termo função parental não é utilizado em nenhum texto legal vigente – há quem defenda a substituição da expressão poder de família por autoridade parental. Trata-se de uma criação dos estudiosos do Direito, a partir, especialmente, da obra do advogado gaúcho Conrado Paulino da Rosa, a partir da sua tese de doutoramento em Serviço Social, intitulada Guarda Compartilhada Coativa: a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes.


Pouco a pouco, o conceito vai sendo utilizado pela doutrina e advogados e eu adotei o seu uso tanto na prática forense quanto na elaboração de acordos de guarda compartilhada.


Ele é útil e mais adequado por dois motivos: 1) parte de uma compreensão sistemática, fundada nos ditames constitucionais, do ordenamento jurídico; 2) permite uma aproximação com o campo científico, especialmente a Psicologia.


Assim, a função parental é entendida como o papel exercido pelos pais no desenvolvimento psíquico da criança e o acolhimento deste fenômeno pelo Direito se dá pelas diversas disposições que garantem à criança e ao adolescente direitos tais como saúde, lazer, educação, convívio familiar e comunitário e o pleno desenvolvimento de suas capacidades físicas, emocionais, afetivas etc.


A função parental, em outros termos, é o conjunto de direitos e deveres que os pais, como entidade familiar, exercem para que os direitos dos filhos sejam garantidos. Sendo mais específico, trata-se do conjunto de expectativas sociais sobre a parentalidade, alguns deles previstos pela legislação – como o Poder de Família.



E a Guarda?



Este é o termo que suscita maiores dúvidas na prática cotidiana. Em termos jurídicos, vamos encontrar uma definição no Estatuto da Criança e dos Adolescentes e outra no Livro Do Direito de Família, no Código Civil.


No ECA, a guarda é definida dentro dos atributos conferidos à Família Substituta, nos casos de adoção. Diz o artigo 33:


Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.


Com a adoção, ou a colocação em família substituta, quando os pais estão ausentes ou tenham perdido o poder familiar, implica na assunção da guarda, que é a prestação de assistência material, moral e educacional.


Por outro lado, o Código Civil não trazia, até 2008, uma definição própria de guarda. Com a Lei 11.698/2008, a definição veio com a introdução da possibilidade de guarda compartilhada, que o legislador cuidou em esclarecer:


Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.(Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.(Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

Como se vê, a guarda é definida como responsabilização e exercício dos direitos e deveres relativos ao poder familiar como prerrogativa atribuída a um dos pais, quando unilateral, ou conjunta, quando compartilhada.


Relembre-se, contudo, que a atribuição de guarda não extingue, nem diminui o poder familiar exercido pelo não guardião. O que ocorre é a atribuição de uma custódia física e a prerrogativa de decidir (responsabilizar-se) as questões fundamentais (como qual escola o filho irá frequentar) e os cuidados imediatos.


Não é exato dizer que o não guardião exerce o poder familiar como fiscal do guardião, mas, na prática, é o entendimento que acaba prevalecendo.


Dito isso, a guarda unilateral está bem definida. A questão agora é esclarecer a guarda compartilhada, não raro confundida com a inexistente guarda alternada.


Qual a diferença entre Guarda Compartilhada e Alternada?



 Apesar da previsão legal instituída pela Lei 11.698/2008, a Guarda Compartilhada não era proibida no direito brasileiro. Antes desta Lei, a Guarda Alternada também não era proibida, pois, em sua antiga redação, o art. 1.583 do CC/2002, dizia que “no caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento, ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sob a guarda dos filhos”.


Como se vê, não havendo discordância, os pais tinham ampla liberdade para decidir consensualmente a gestão da vida dos filhos, podendo adotar a guarda unilateral, a compartilhada ou a alternada.


Ocorre que, com a mudança promovida em 2008, o artigo recém comentado passou a dizer “a guarda será unilateral ou compartilhada”. Como o legislador utilizou a expressão “ou” para opor os tipos diferentes de guarda, os estudiosos do Direito (doutrina e jurisprudência) passaram a entender que a guarda alternada não é admitida e, mais, seria até mesmo indesejável ou proibida.


Deve-se, por fim, esclarecer que a Guarda Alternada significa que, cada um a seu tempo, os pais serão incumbido das prerrogativas da guarda (responsabilidade pelos cuidados imediatos, custódia física e zelo pelos direitos dos filhos) sem necessariamente colaborarem um com o outro. Em outras palavras, o(a) filho(a) mora por determinado período de tempo com o pai ou com a mãe, tendo aí uma educação e cuidado; ao depois, inverte-se a prerrogativa em favor do que ficava sem a guarda.


Ao contrário do que muitas vezes se afirma, a Guarda Alternada não se confunde com uma divisão igualitária no convívio familiar. Tome-se o exemplo de pais que moram em cidades distintas. Pode se que, após o rompimento do relacionamento, a criança seja criada por um até determinada idade e, depois, passe ao convívio diário e aos cuidados do outro, sem necessariamente dividir-se esse tempo igualitariamente.


A diferença fundamental entre Guarda Alternada e Compartilhada está no termo “conjunta” que acompanha a “responsabilização” prevista no art. 1.583, § 1º do Código Civil. Daí que se entenda, corretamente, ao meu ver, que a Compartilhada implique uma colaboração entre os agora ex-parceiros, no que tange ao cuidado dos filhos.


Na prática da redação de acordos, costumo definir a guarda compartilhada nos seguintes termos: “Os PAIS exercerão a guarda compartilhada, devendo colaborar e prestar suporte um ao outro para o exercício da FUNÇÃO PARENTAL, observando os melhores interesses do FILHO, e propiciando a ela o pleno desenvolvimento de suas capacidades”.


Assim, a guarda compartilhada é o exercício conjunto e colaborativo dos cuidados e responsabilidades para com o(s) filho(s) em que os pais prestam um ao outro suporte para o exercício da função parental, tendo em vista o melhor interesse e o pleno desenvolvimento da criança ou do(a) adolescente.



Guarda Compartilhada e Regime de Convivência: diferenças



A guarda compartilhada, conforme já se disse, é a colaboração dos pais nas tomadas de decisões sobre como vão garantir os cuidados e direitos dos filhos.


Regime de convivência ou plano de parentalidade, por outro lado, é o tempo que os filhos passarão na companhia de cada um dos pais.


Os termos, portanto, não se confundem.


 Aliás, é necessário dizer que, no campo científico, há quase um consenso no que diz respeito à necessidade dos filhos de estarem na companhia dos pais separados tanto quanto possível em tempos iguais. É dizer, idealmente, os pais dividiriam o tempo de convivência 50/50, o que acaba sendo na prática impossível por diversos motivos.


De toda forma, em acordo com essa premissa fática, foi bem o legislador ao prever o regime equilibrado de convivência na guarda compartilhada, o que fez tanto no § 2º do artigo 1.583, quanto no § 3º do artigo 1.584.


A falha aí está em considerar essa premissa apenas no caso de guarda compartilhada. E isso porque tempo de convivência e guarda não se confundem. A convivência familiar é um direito com prioridade absoluta da criança; a guarda é o exercício das responsabilidades de cuidados por um ou ambos os pais.


 A criança precisa de uma residência fixa?


O Art. 1.583, § 3º, do Código Civil, determina que seja fixada uma cidade como base de moradia, de acordo com os melhores interesses dos filhos. A palavra cidade é chave para compreensão da finalidade e alcance do texto legal – atividade essas que, para fins didáticos, é o caminho para compreensão da norma traduzida no texto.


Numa interpretação sistemática, tem-se que essa escolha do legislador atende a duas finalidades:


1) dar maior força ao Poder de Família do art. 1.634, inciso V, que outorga a ambos os pais autoridade para negar ou consentir a mudança de Município dos filhos; 2) como forma de coibir o ato de alienação parental reconhecido no art. 2º, parágrafo único, incisos IV e VII, que consiste na oposição injustificada ao direito de convivência e à mudança unilateral de domicílio do(a) filho(a).


Não se trata, portanto, de decidir qual das casas, a do pai ou a da mãe, será considerada a de moradia da criança. Mesmo porque, o esteio da criança e do adolescentes são os pais, e não propriamente a residência física.


De outro lado, a interpretação de que deva-se decidir se a casa do pai, ou a da mãe, deva ser considerada a morada do(a) filho(a) pode gerar uma discussão desnecessária quando se busca um acordo e levar indevidamente a discussão para os tribunais. Isso contraria o princípio da busca pela solução consensual dos conflitos e o esforço que os juristas têm dedicado para evitar a judicialização excessiva no campo familiar.


Portanto, o fundamental é que se decida qual a cidade base de moradia e não qual a casa (do pai ou da mãe) será considerada a residência fixa do filho.



É cabível a guarda compartilhada numa situação de conflito entre os pais?



O princípio da colaboração, que delineia a guarda compartilhada, é finalístico. Trata-se de um ideal a ser alcançado, tendo em vista o melhor interesse da criança e o adolescentes. Nesse sentido, tem-se afirmado que a guarda compartilhada pode mitigar os efeitos do conflito, prevenir a alienação parental e ressignificar o relacionamento do ex-casal agora como pai e mãe dos filhos, como família que são deles, filhos.


Daí a tese da guarda compartilhada coativa, esposada por Conrado Paulino da Rosa, e defendida também pelo saudoso Cristiano Chaves de Farias, entre outros. Conrado Paulino da Rosa resume bem algumas das vantagens para os filhos deste modelo de guarda:


A guarda compartilhada pode, por certo, dar um novo significado com a criação de uma nova imagem na memória dos filhos, onde, a partir da participação ativa de ambos os genitores, poderão contar com ambiente mais seguro e menos hostil. (ROSA, Conrado Paulino da. Guarda Compartilhada Coativa: a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes. São Paulo: Editora Juspodium, 2023. p. 165).


Por óbvio, o não deferimento, como regra, da guarda compartilhada em casos de conflito, pode criar nos pais, ex-companheiros, a expectativa de serem “vencedores” na disputa pela guarda. Discutiriam, assim, a custódia dos filhos não em função do carinho e apreço que têm pelos filhos, mas sim pelo desejo de impor ao outro uma derrota.


 Além disso, o caminho por uma solução pacífica e consensual, pelo acordo, seria bastante dificultado quando do conflito se entendesse pela impossibilidade da guarda compartilhada.


Por isso mesmo, em 2014, a Lei 13.058, modificou o §2º do art. 1.584, do Código Civil, determinando que a guarda compartilhada seria preterida apenas quando um dos genitores não fosse apto, ou expressamente renunciasse ao direito.


Atualmente, esse parágrafo foi modificado, inserindo uma terceira hipótese para o não estabelecimento da guarda compartilhada, a sabe, a do risco de violência doméstica e familiar.



Mediação e Conciliação no Direito das Famílias



Mediação e Conciliação são métodos para a busca de soluções adequadas dos conflitos. A mediação é exercida de forma a facilitar o diálogo e ressignificar a disputa. A Conciliação é exercida para chegar ao consenso por meio de sugestões feitas pelo conciliador a partir do exame do caso.


Entende-se que a mediação é a forma mais adequada para o Direito das Famílias, especialmente para a guarda compartilhada. No entanto, em certos casos, quando o ex-casal não está pronto para o diálogo através da mediação, a conciliação pode se mostrar desejável, pelo menos para que se chegue a regras objetivas que possam apaziguar as diferenças e facilitar, inclusive, eventual mediação posterior.



Quando o conflito persiste: hipóteses em que a guarda compartilhada deve ser excepcionada.



Como visto anteriormente, a guarda não será aplicada em três hipóteses: 1) um dos genitores não se mostrar apto; 2) a renúncia de um dos pais; 3) risco de violência doméstica ou familiar.


Deferida a guarda compartilhada, por acordo, ou imposição do juiz, surge a polêmica sobre a viabilidade e adequação do regime em casos de conflitos continuados, em que os pais simplesmente não conseguem tomar decisões conjuntas. O conflito se estende no tempo, permanecendo mesmo após anos da separação.


 A guarda compartilhada, nesses casos, continua a atender aos melhores interesses das crianças e adolescentes?


Como tem se afirmado desde o início, a vida dos filhos após a separação do casal (cônjuges ou conviventes) deve ser pautada pela observância do dever de se buscar a saída que melhor atenda ao direito de um desenvolvimento sadio das potencialidades da criança e do(a) adolescente.


O consenso científico se limita à conclusão, com base em estudos, inclusive estatísticos, de que esse intuito é melhor acolhido quando há uma convivência equilibrada com ambos os pais, independentemente do conflito. O dissenso vem quanto ao compartilhamento das responsabilidades quanto às decisões fundamentais quando o conflito persiste por muitos anos.


De acordo com o § 4º do artigo 1.584 do Código Civil, o descumprimento imotivado de cláusula da guarda compartilhada pode levar à redução das prerrogativas do transgressor. Assim, em casos tais, pode-se, excepcionalmente, reduzir ou delimitar-se o campo de atuação de cada um dos genitores no exercício da guarda.


Entendo que a solução, nesse caso, deve ser sempre pautada nas peculiaridades do caso concreto, com foco na criança e no(a) adolescente, tendo como base a ciência e os comandos normativos aplicados ao caso concreto.


Nesse sentido, é razoável afirmar que a insegurança decorrente da impossibilidade de consenso, obstada indevidamente por um dos pais, não atende à preservação da dignidade da pessoa em desenvolvimento, e, persistindo o conflito, impõe-se a intervenção judicial, ancorada em estudo multidisciplinar, para alcançar a solução mais adequada.



Guarda e alimentos



Outra questão que surge diariamente a responsabilidade pelos alimentos dos filhos após a separação, comumente chamada pensão.


Nesse ponto, é necessário esclarecer que o dever de prestar alimentos independe do exercício ou não da guarda. Isso porque ambos os pais têm o dever de prestar apoio material para o bom desenvolvimento da prole.


Esse dever não cessa nem para quem detém a guarda unilateral, nem para quem não a detém. Tampouco deixa de existir com a guarda compartilhada.


Os alimentos, por outro lado, são sempre decididos em face do binômio possibilidade/necessidade. Ou seja, os alimentos são devidos por quem possa pagá-los em face da necessidade do alimentando.


Na guarda compartilhada, mesmo com regime de convivência equilibrado, os alimentos serão pagos aos filhos na pessoa do genitor que, para cumprir com o dever de cuidado, não disponha dos meios suficientes – ou, ainda, quando o pagamento dos custos com educação, saúde etc. estejam a cargo de apenas um dos guardiões.


Basta imaginar a hipótese de um acordo de guarda em que, na divisão de responsabilidades, recaia sobre um dos pais levar o(a) filho(a) ao médico, pagando as consultas. Nesse caso, haverá uma divisão dos custos.


Outra hipótese é a de dois pais que possuem situação financeira muito distintas. Um deles recebe altos salários, possui imóvel próprio, enquanto o outro ganha um salário mínimo e ainda tem de pagar aluguel. Nesse caso, faz-se necessário o pagamento de alimentos, até como forma de se equalizar a situação do filho em ambas as casas. Assim, previne-se também que a criança sinta-se compelida a desejar ficar apenas com um dos pais apenas pelo conforto de vida que com ele desfrute.


A questão portanto depende das necessidades concretas dos filhos, sendo certo que a guarda compartilhada, por si só, não extingue a obrigação de prestar alimentos, fundada sempre nas possibilidades do alimentante e as necessidades do alimentando.



Conclusão: construindo um futuro saudável para os filhos



A Guarda Compartilhada é o modelo ideal de gestão da vida dos filhos após a separação e, na medida do possível, deve-se buscar estabelecê-la por meios consensuais, produzindo ao final um acordo claro que delimite bem as funções exercidas por cada um dos pais.

Os benefícios da Guarda Compartilhada, para os filhos, são, entre outros:


  • propiciar um ambiente amistoso e saudável de desenvolvimento, na companhia de ambos os pais;

  • melhorar a autoestima, saúde mental e emocional;

  • e um melhor relacionamento com os pais.


O conflito que surge logo no começo da separação pode ser superado com o estabelecimento de um acordo, com benefícios também para os adultos. E isso porque o fim da relação a dois é ressignificado para o início de uma relação saudável entre pais do filho em comum.


O próprio processo de elaboração do acordo pode servir de terreno para essa resignificação, propiciando aos pais o estabelecimento de uma relação cooperativa e diálogo constantes em benefício dos filhos.


A criança sente-se mais segura quando percebe que os pais conversam e trocam impressões sobre seu desenvolvimento e adotam soluções coerentes para as dificuldades enfrentadas pela criança ou adolescente.


A Guarda Compartilhada pode não resolver imediatamente todos os conflitos, mas tende, ao longo do tempo, a mitiga-los e o desenvolvimento sadio dos filhos em comuns recompensa o esforço para apagar a dor da separação.


Além disso, contribui também para redução do estresse e da ansiedade, e facilita o exercício da parentalidade responsável, sem sobrecarregar apenas um dos pais com os cuidados com os filhos.


Quando o diálogo se mostrar difícil, é sempre recomendável a busca pela mediação ou conciliação, de acordo com as necessidades e disposição das partes.


Vale salientar que, mesmo com o estabelecimento de um acordo, no futuro podem surgir novos impasses. Nesses casos, pode-se perfeitamente buscar um novo processo de mediação, o que é sempre melhor do que um processo judicial.

Em casos extremos, como inaptidão ou risco de violência doméstica e familiar, a guarda compartilhada pode ser afastada, de acordo com as necessidades da criança ou do(a) adolescente.


Se você ainda tiver dúvidas sobre a Guarda Compartilhada, procure um advogado especializado em Direito de Família


 
 

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Frederico Teixeira Gorski 

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